A Catalunha realizou um plebiscito controverso em 2017, dividindo opiniões e marcando a história política da Espanha. Qual será o futuro da Catalunha?
No dia 1 de outubro de 2017, a Catalunha realizou um plebiscito, ou referendum em castelhano, unilateral e não reconhecido pelo governo espanhol, questionando os cidadãos se eles desejam tornar a região uma República independente. O assunto sobre o futuro da Catalunha dividiu opiniões entre os próprios catalães, assim, busquei investigar o que aconteceu por aqui a partir do ponto de vista de diferentes habitantes da Espanha.

Histórico de Conflitos Entre Catalunha e Espanha
Jordi*, 33, capitão de barco e catalão, explica que os motivos da luta pela independência vão além de política e economia. “A classe política espanhola influenciou um pouco, mas o determinante foi a economia. A corrupção fez muito dinheiro desaparecer, e esse dinheiro faltou nos hospitais e em muitos outros lugares. Foi isso que fez com que acordássemos. Porém não é só econômico. Poderia ser somente econômico se a Espanha aceitasse a nossa língua, a nossa cultura e as nossas tradições. Mas não aceitam. Não somos queridos por eles. Então é algo cultural também.”
Enrique*, 29, piloto de avião e madrilenho enxerga a questão separatista como um problema que saiu do controle. “Uma onda cada vez maior, que não agrada nem os espanhóis nem os catalães. É um problema que deveria ser resolvido com o diálogo e não da forma como está sendo resolvido”.

Muitos catalães questionam a autonomia e a liberdade da Catalunha, tanto na gestão da própria economia, como na participação da política espanhola, uma vez que as leis aprovadas no parlamento da Catalunha devem ser aprovadas também pelo senado espanhol para entrar em vigor e que os impostos recolhidos na região são encaminhados para Madrid. Essa insatisfação faz com que os catalães desejem mudar o futuro da Catalunha.
Divisão Social: Uma Ferida Abertura no Debate Político
Lucas A., 18, estudante de filosofia e política na Universidade Autônoma de Madrid, tem uma visão mais periférica.
Nasceu e cresceu em Alicante, município da Comunidade Valenciana, e sua graduação é dividida entre as cidades de Barcelona e Madrid. Lucas aponta que o problema da Espanha é que Madrid sempre foi o centro de poder. Mas a relação com as outras regiões nem sempre foram boas. “A Catalunha sempre foi uma região muito rica e em alguns momentos houve conflitos entre as duas regiões. E sempre teve gente na Catalunha que queria independência, ou autonomia frente à Madrid.”

Giovanni*, 28, italiano e técnico de informática, vive em Barcelona há 10 anos. Ele explica, que a Espanha têm vários estados autônomos, que estão unidos no mesmo país. Cada um desses estados tem uma certa soberania sobre alguns aspectos. “Nem todos estão felizes em fazer parte da Espanha.
Uma grande parte da população não quer se separar da Espanha, mas a outra grande parte quer. Agora não se sabe com precisão qual é a maioria. O que é certo é que a maioria dos catalães querem o plebiscito. Isso é seguro”.
“Eu nasci em Madrid. Desde que sou pequeno aprendi que Barcelona era uma das províncias mais importantes dentro da Espanha. Sempre senti que a Catalunha era parte de meu país e sempre enxerguei os catalães como parte do meu povo”, diz Enrique, que, apesar disso, concorda que uma solução poderia ser a autonomia financeira da Catalunha, assim como já é o caso do país Vasco.

A Ditadura Franquista e Suas Marcas na Catalunha
A região da Catalunha se tornou de fato parte da Espanha depois da derrota na Guerra de Sucessão ( 1701-1714) contra os Bourbon (com quem a Catalunya já estivera em conflitos anteriormente e para quem já havia perdido territórios com o Tratado dos Pirineus).
O reino de Filipe V foi muito autoritário e retirou muitos direitos conquistados na região. Dois séculos depois, a ditadura franquista (1939-1976) - que foi um regime fascista autoritário em toda a Espanha - reprimiu ainda mais a população e retirou ainda mais direitos.
O ditador Francisco Franco também proibiu as línguas faladas nas comunidades autônomas (Galícia, País Vasco e Catalunha) e fez de tudo para impedir o separatismo das mesmas. Assim, muitas pessoas justificam o sentimento atual separatista da Catalunha com esse histórico de repressões.

Lucas acredita que nenhuma guerra do passado pode ser usada como argumento político. “Não podemos culpar ou utilizar acontecimentos de 300 anos atrás como argumento político. Está muito distante no tempo. Mas eu enxergo que o que aconteceu há 50, 60, 70 anos atrás não se resolveu adequadamente na Espanha.”
Giovanni e Lucas acreditam, que os catalães não se enxergam como parte da Espanha. “Há uma questão de identidade cultural em que o catalão não se enxerga como espanhol e deixou de se imaginar como parte da Espanha. Além disso, o resto da Espanha também não entende os catalães.”, acrescenta Lucas.
O madrilenho Enrique acha que os catalães têm toda razão em se sentirem afetados pela ditadura franquista, mas completa “Posso te dizer que minha avó, que viveu em Madrid, passou muita necessidade, passou fome e até tiraram o comércio da família dela. E ela era de Madrid. O franquismo impediu os catalães de falarem sua língua, e eles certamente foram reprimidos. Porém, a Catalunha e toda Espanha foram reprimidas.”

O Futuro Político da Catalunha: O Que Está Por Vir?
Catalães aguardam resultado do referendum na praça Catalunha, 1 de outubro de 2017
A discussão sobre a legalidade do plebiscito ficou ainda mais intensa após a sua realização, apesar dos 2.020.144 votos a favor da independência da Catalunha.
“A constituição está atrelada à Madrid e nela está escrito que nenhuma parte pode se separar. Mas se uma parte quer se separar, quais são os procedimentos? Há anos a Catalunha tenta achar uma solução para se separar da Espanha e, após não encontrar nenhuma, realizou o plebiscito”, diz Jordi.
Lucas acrescenta “Não é legal. Mas não quer dizer que não seja legítimo. Essa é a diferença. Então, acredito que, todos estamos de acordo que é importante respeitar as leis. Mas isso não quer dizer que todas as leis sejam justas. Acredito que os direitos costumam surgir
conforme as necessidades.”

Governo espanhol e a repressão
A polícia nacional agiu com muita violência e repressão ao tentar impedir a votação. Os dados da Generalitat (governo catalão) é de que mais de 800 pessoas foram feridas. “Eu entendo e enxergo que eles têm outros costumes e estão insatisfeitos. Mas tudo tem que ser feito na legalidade. Eu não acho justificável a ação da polícia. A polícia agrediu muitas pessoas que só estavam votando, não estava fazendo mal a ninguém. Não gosto de ver a polícia pegando pessoas idosas e crianças. Mas foi um ato ilegal. O referendum tinha sido considerado ilegal, e mesmo assim eles fizeram acontecer.” , completa Enrique.
No dia 11 de outubro, Puigdemont, presidente da Generalitat, declarou a independência de forma subjetiva e retirou-a logo em seguida, pedindo diálogo com o governo espanhol. Mas Rajoy, presidente da Espanha, não quis mais negociar com a Generalitat. O mês de outubro seguiu tenso. Cada vez mais policiais da Polícia Nacional na Catalunha e centenas de empresas deixando suas sedes da comunidade. No dia 27 de outubro, o parlamento da Catalunha aprovou a Declaração Unilateral de Independência e Puigdemont a declarou.

A Reação da Comunidade Internacional ao Impasse do futuro da Catalunha
A resposta do governo central foi a aplicação do Artigo 155, ou seja, toda autonomia da Catalunha foi retirada, o parlamento destituído e o governo regional demitido. O controle da região está nas mãos de Mariano Rajoy, que convocou eleições para 21 de dezembro.
O Tribunal espanhol também condenou líderes independentistas por rebelião e conspiração. Oriol Junqueras, Joaquim Forn, Raül Romeva, Jordi Turull, Josep Rull, Santi Vila, Carles Mundó e Carme Forcadell são os presos políticos que mais geraram manifestações e reações negativas por parte do povo. Carles Puigdemont foi destituído da presidência Generalitat e está em exílio em Bruxelas, Bélgica, com outros representantes do seu governo.

O Exílio de Puigdemont e as Novas Eleições de 21 de Dezembro
Ninguém se atreve a dizer se o futuro político da Catalunha será melhor ou mais desastroso, mas Giovanni problematiza a discussão generalizada que a política ganhou
“Uma coisa que um pouco me doí sobre a separação é a fratura social que isso criou. Eu já vi amigos que já não se falam, já vi casais que se separaram, já vi famílias que não se falam entre si. Isso eu não gosto. A razão não me interessa. Mas o que eu lamento muito é que toda essa polaridade tenha gerado uma fratura social.”
Dia 21 de dezembro a Catalunha terá a chance de eleger, mais uma vez, um governo independentista. Mas isso a fará livre ou ainda mais reprimida e sem autoridade?
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